Outro dia eu me deparei com uma situação que, em minha opinião, não deveria acontecer nos dias atuais: numa turma de crianças com idades entre três e quatro anos as crianças me receberam com a euforia de costume e como sempre, todos queriam contar alguma novidade, as meninas exibiam-se com a roupa de balé falando que iriam fazer a primeira aula quando um dos meninos, um pouco ansioso seguiu falando: Tia Inara, Tia Inara eu...
E eu completei perguntando: Você também vai fazer balé?
Então ele se retraiu e disse não, o meu pai disse que menino não faz balé...
Não consegui ficar calada e como uma Educadora apaixonada por todas as facetas que a Educação Física possui dentro dos conceitos de corporeidade, fui assertiva na minha indagação: Se as meninas podem jogar futebol, porque os meninos não podem fazer balé? E meninos podem fazer balé sim! Ele não contestou e logo em seguida fomos para a nossa vivência de Psicomotricidade.
Aproveitei o episódio relatado a você, caro leitor, para levantar esta questão que, infelizmente, ainda é tratada com um preconceito pseudo machista porque estamos num país onde os meninos de todas as idades rebolam de forma sensual imitando alguma celebridade da indústria musical, então quando alguém fala que menino não pode fazer balé, isso se torna um tabu, o que é absurdo.
Ao contrário de outros países, as famílias brasileiras não incentivam os meninos à prática da dança, a maior parte dos bailarinos brasileiros iniciaram a dança durante a adolescência, pois nesta fase eles tem maior liberdade de escolha e maior autonomia.
Num *estudo que fala sobre a influência do Balé na vida de meninos de periferia, foi identificado que os responsáveis destes meninos tinham baixo nível de escolaridade, mas todos apoiaram seus filhos ao ingresso nas aulas de Balé, apesar de que no início houve um pouco de dificuldade de adaptação devido à incerteza do poderia acontecer, contudo à medida que as aulas, eventos e apresentações aconteciam o envolvimento e aceitação de toda a família era cada vez maior, além disso, os familiares entrevistados relataram que o rendimento escolar dos meninos havia melhorado e o relacionamento com outras pessoas também, na maneira de agir e se expressar. Uma curiosidade neste estudo foi o fato de que as mães destes meninos sabiam relatar com detalhes a existência do preconceito na vida social dos meninos que faziam o balé, no entanto os pais entrevistados não tinham conhecimento de tais fatos, e nenhum dos responsáveis apresentaram qualquer tipo de preconceito com o balé. Este estudo foi apapresentado no XIII ENPOS – Encontro de Pós Graduação realizado pela Universidade Federal de Pelotas.
Quando um menino se interessa por balé não significa que ele possui tendências homossexuais e se tiver não será o futebol que irá converter este quadro.
A criança se interessa por uma atividade, basicamente, por dois motivos: pelo convívio social porque os amigos fazem determinada atividade ou pelo desafio que a atividade oferece. Há também a questão dos processos cognitivos que podem variar de criança para criança, por exemplo, há meninos que preferem as brincadeiras de lutas e sempre querem ser monstros ou coisas do tipo onde prevalece a força física, há outros que escolhem brincar com jogos que estimulam a competição e a concentração e há aqueles que possuem um repertório simbólico maior, ou seja, estão abertos para todos os tipos de brincadeiras prevalecendo a criatividade e sensibilidade.
Quando há o apoio e incentivo da família desde cedo, a criança torna-se um adolescente e um adulto mais seguro e fortalecido para enfrentar possíveis preconceitos em virtude da sua escolha.
As consequências da prática do balé por meninos são inúmeras e dentre elas estão: corpo harmonioso com músculos flexíveis, fortes e bem definidos, disciplina, capacidade de concentração e memorização, acesso a outras culturas, desenvolvimento de ritmo e musicalidade, acesso a arte de modo geral, profissionalização com possibilidade de carreira internacional e a certeza de que a prática do balé não provoca a mudança de gêneros.
Um filme interessante que retrata as linhas deste texto é Billy Elliot com direção de Stephen Daldry.
A criança deve vivenciar o seu corpo em movimento livre de preconceitos, convenções sociais ou imposições parentais.
A dança, o esporte, o teatro, a brincadeira, a música e a arte são potencializadores do desenvolvimento psicomotor e permitem a expressão de sentimentos e emoções muitas vezes reprimidos.
Texto de : Inara da Silva Santos
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